domingo, 23 de junio de 2019

O senhor instruiu SIM, Dr. Moro


O ex juiz Sérgio Moro afirmou que não via problemas nas falas que foram publicadas pelo The Intercept porque, segundo ele “Ali basta ler o que se tem lá” para perceber que não havia dado instruções aos promotores. Mas não é bem assim, vejamos.
Quando pensamos em fala, temos que nos ater não só as palavras pronunciadas –“o que se tem lá”-, como também as intenções com as quais foram proferidas e, principalmente, aos efeitos que produziram nos destinatários, efeitos quase sempre procurados pelo falante. (Austin, Teoria dos Atos de Fala).

Assim, quando o ex juiz Moro, desde seu lugar hierárquico preponderante na operação Lava Jato, pergunta aos promotores, “subalternos de fato” na mecânica própria da operação, se “não tem muito tempo sem operação?” – está dizendo, na verdade, “ponha a operação para funcionar, porque não pode deixar passar tanto tempo”. É o que se chama pedido indireto, por exemplo quando como você diz  numa loja “gostaria de ver uma aquela camisa branca” e a atendente interpreta “me mostra a camisa branca”. Foi o que aconteceu com o promotor Dallagnol que interpretou as palavras de Moro como um pedido prontamente cumprido, como aponta o site BuzzFeed (https://www.buzzfeed.com/br/gracilianorocha/moro-deltan-telegram).
Moro não precisa saber linguística para entender os mecanismos da fala e da sua interpretação, o direito já lhe fornece ferramentas para tal. De fato, quando se interpretam as leis também se atende a critérios semelhantes aos da teoria dos atos de fala. Primeiramente, interpretando literalmente o texto legal, palavra por palavra; depois tem que se interpretar “o espírito da lei”, o que ela de fato quer dizer. Assim, a placa da praça que proíbe a entrada de cachorros, não significa que alguém possa entrar com um urso, por exemplo. Esse exemplo clássico do direito derruba a desculpa do ex juiz de que ele não deu as instruções. Deu sim, porque de suas palavras foram inferidas e cumpridas as ordens pelos promotores.
Em outro trecho, indicou dar “instruções” a uma promotora que não ia muito bem nas audiências e que os promotores dessem alguns conselhos ou até treinamento. Tal indicação foi INTERPRETADA e CUMPRIDA como um pedido de substituição, como de fato aconteceu.

Mais uma vez, vemos que o ato de fala se realizou pelo que foi dito pelo juiz, pelo que foi interpretado pelos promotores e pelos efeitos produzidos. Não adianta, Dr. Moro, insistir só na literalidade das palavras.
                                                                                                          Yedda e Ramiro Blanco

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