O ex juiz Sérgio
Moro afirmou que não via problemas nas falas que foram publicadas pelo The
Intercept porque, segundo ele “Ali basta ler o que se tem lá” para perceber que
não havia dado instruções aos promotores. Mas não é bem assim, vejamos.
Quando pensamos
em fala, temos que nos ater não só as palavras pronunciadas –“o que se tem lá”-,
como também as intenções com as quais foram proferidas e, principalmente, aos
efeitos que produziram nos destinatários, efeitos quase sempre procurados pelo
falante. (Austin, Teoria dos Atos de Fala).
Assim, quando o
ex juiz Moro, desde seu lugar hierárquico preponderante na operação Lava Jato,
pergunta aos promotores, “subalternos de fato” na mecânica própria da operação,
se “não tem muito tempo sem operação?” – está dizendo, na verdade, “ponha a operação
para funcionar, porque não pode deixar passar tanto tempo”. É o que se chama
pedido indireto, por exemplo quando como você diz numa loja “gostaria de ver uma aquela camisa
branca” e a atendente interpreta “me mostra a camisa branca”. Foi o que
aconteceu com o promotor Dallagnol que interpretou as palavras de Moro como um
pedido prontamente cumprido, como aponta o site BuzzFeed (https://www.buzzfeed.com/br/gracilianorocha/moro-deltan-telegram).
Moro não precisa
saber linguística para entender os mecanismos da fala e da sua interpretação, o
direito já lhe fornece ferramentas para tal. De fato, quando se interpretam as
leis também se atende a critérios semelhantes aos da teoria dos atos de fala.
Primeiramente, interpretando literalmente o texto legal, palavra por palavra;
depois tem que se interpretar “o espírito da lei”, o que ela de fato quer
dizer. Assim, a placa da praça que proíbe a entrada de cachorros, não significa
que alguém possa entrar com um urso, por exemplo. Esse exemplo clássico do direito
derruba a desculpa do ex juiz de que ele não deu as instruções. Deu sim, porque
de suas palavras foram inferidas e cumpridas as ordens pelos promotores.
Em outro trecho,
indicou dar “instruções” a uma promotora que não ia muito bem nas audiências e que os promotores dessem alguns conselhos ou até treinamento. Tal indicação foi INTERPRETADA e CUMPRIDA como um
pedido de substituição, como de fato aconteceu.
Mais uma vez,
vemos que o ato de fala se realizou pelo que foi dito pelo juiz, pelo que foi
interpretado pelos promotores e pelos efeitos produzidos. Não adianta, Dr. Moro,
insistir só na literalidade das palavras.
Yedda e Ramiro Blanco
Yedda e Ramiro Blanco
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