domingo, 22 de septiembre de 2019

O quê significa politicamente a lei de Emergência Alimentar

Dia 18 de setembro, a Câmara de Senadores aprovou por unanimidade a lei de Emergência alimentar após uma breve sessão sem debate e com poucos oradores. A lei aprovada pelos Senadores pode ser entendida desde vários ângulos.

O primeiro que devemos apontar é que o neoliberalismo produz fome, que a meritocracia é uma ilusão para poucos e deixa a mercê da sua sorte, indefectivelmente ruim, aos mais desfavorecidos. Isso é uma recorrência na Argentina nos últimos 50 anos: foi assim depois da ditadura de 1968-1973, com o plano neoliberal do ministro Adalbert Krieger Vasena, que “conseguiu” abaixar os índices sociais e deteriorar a produção industrial; também foi assim com a ditadura cívico-militar de 1976-1983 que implementou o plano econômico liberalizante de José Alfredo Martínes de Hoz; o mesmo aconteceu nos governos privatizadores de Carlos Menem nos ’90, que implementou o plano de Domingo Cavallo (paridade cambial “um peso = 1 dólar”); e voltou a ser assim em 2001, com o ex presidente Fernando de la Rua e novamente Cavallo e sua retórica neoliberal. A dupla de la Rua-Cavallo deixaram o país  numa crise de tal magnitude que muitos pensaram que seria o fim dos ciclos de políticas neoliberais na Argentina.
Contudo, com promessas que sabiam que não cumpririam, Mauricio Macri e os diferentes partidos que compõem a aliança “Cambiemos” chegaram ao poder em dezembro de 2015 e, contrariamente ao que prometeram na campanha eleitoral - Pobreza Zero”-, aplicaram novamente um plano econômico neoliberal, utilizando como cortina de fumaça a acusação de corrupção do governo anterior, amplamente difundida pelos meios hegemônicos porém nunca provada.
É importante fazer um aparte para destacar que os três governos democráticos que aplicaram políticas econômicas liberais –Menem, de la Rua e Macri- chegaram ao poder mediante mentiras já que em campanha prometeram exatamente o contrário. De fato, Macri confessou, tempo depois, que se tivesse dito o que realmente faria no governo nunca teriam conseguido os votos necessários para ser eleito.

"Si yo les decía a ustedes hace un año lo que iba a hacer y todo esto que está sucediendo, seguramente iban a votar mayoritariamente por encerrarme en el manicomio" (Mauricio Macri, 29/08/2016)

Uma vez na Casa Rosada, Mauricio Macri e a equipe de governo, como prestidigitadores discursivos, retiraram do relato a crise de 2001, cujas consequências ainda eram presentes em 2015 na sociedade argentina, apesar dos avanços em matéria social dos governos kirchneristas (2003-2015). 
Ao mesmo tempo, fizeram um ajuste econômico que empobreceu a população, aumentando de forma desproporcional os preços dos serviços públicos, (energia elétrica, gás, água, combustíveis, pedágios, etc.), desvalorizaram a moeda argentina e congelaram de fato os salários. Também, sob pretexto de que o INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos) fazia medições tendenciosas –da inflação, da pobreza, etc.-, deixaram de publicar o índice por seis meses e mudaram a metodologia para “elevar artificialmente” a pobreza deixada por Cristina Kirchner a quase 30% (segundo medições anteriores realizadas pelo Centro CIFRA da Central dos Trabalhadores de la Argentina era de 19,4%). 
Como fizeram isso: 1) culparam o governo anterior pelo feroz ajuste desses 6 primeiros meses que o próprio governo macrista realizara; 2) aumentaram as quantidades necessárias de alimento que compõem a CBA (cesta básica alimentar) necessários para compor o índice da pobreza; e 3) abandonaram o índice feito pelo Observatório da Dívida Social  realizado pela UCA (Universidade Católica Argentina), que sempre foram superiores aos oficiais.
Desse modo, comparar a pobreza segundo os novos índices seria como comparar limões com tangerinas com o critério de ambos serem cítricos.
  
A parir desse novo patamar elevado, Macri pensava que seria mais fácil cumprir sua promessa de campanha: “Se quando minha gestão acabar a pobreza não tiver diminuído, então terei fracassado”. E fracassou! Quaisquer que sejam os índices adotados, a pobreza disparou e o governo teve que fazer acordo com a oposição, muito a contragosto, e aprovar por unanimidade a Emergência Alimentar para tirar o tema da agenda política e sonhar com uma virada eleitoral, cada vez mais irreal.  Esse foi o motivo pelo qual não houve debates e se limitou a quantidade de oradores muna brevíssima sessão, cumprindo uma condição imposta pelo governo que não compactuava com as medidas contidas na lei. 

domingo, 1 de septiembre de 2019

Mauricio Macri e o fim do relato neoliberal

Por: Ramiro Caggiano Blanco
Depois da crise de 2008, o governo de Cristina Kirchner teve dificuldades, como a maioria das economias do mundo, que conseguiu driblar, em termos gerais, fortalecendo o mercado interno. Isso significou, por um lado, aumento da atividade industrial que foi recuperando os seus níveis históricos prévios à crise de 2001, com a conseguinte necessidade de importar bens de produção e, por outro, uma diminuição das exportações (fruto do consumo interno dos bens industrializados) e um aumento dos produtos importados que as famílias argentinas passaram a demandar com a valorização do salário real. Isso significou uma necessidade extra de dólares para que os importadores pudessem quitar as dívidas no exterior.

A classe média também começou a viajar mais ao exterior e voltou ao seu esporte favorito: poupar estocando moeda americana “debaixo do colchão”. Foi assim que se ativou o controle de câmbio em 2011 para fazer frente a uma fuga de divisas provocada pelo que na Argentina se conhece como “golpe de mercado”. Essas restrições incomodaram a classe media que logo, sob o lema de falta de liberdade, ganhou as ruas de Buenos Aires no “panelazos”, muito diferentes àqueles da crise de 2001.

Jovem reclamando contra as restrições cambiárias no “cacerolazo” de 13 de setembro de 2012 .
Durante 4 anos, sistematicamente, dia sim e outro também, o partido de Mauricio Macri, à época prefeito da cidade de Buenos Aires, junto aos meios hegemônicos de comunicação, bateram na tecla da restrição à compra de moeda americana, que chamaram de “cepo” (aparelho que remete a um instrumento de imobilização dos escravos). Fizeram o principal slogan de campanha e, já na presidência em dezembro de 2015, permitiram a todos os cidadãos comprar até 5 milhões de dólares por mês, por pessoa. A liberdade havia triunfado!
Jornais americanos e europeus festejavam a grande solução dos problemas da economia argentina! Agora sim chegaria a “chuva de investimentos” estrangeiros proclamada por Macri na campanha eleitoral e no primeiro ano como presidente.
Cada vez que os jornalistas oficialistas, pagos com o generoso dinheiro da “pauta oficial”,  tinham que dar algum dado negativo da economia, logo “davam um desconto”: Ah, mas agora não temos “cepo”!
Pois bem, o “cepo” voltou, da mão do próprio Mauricio Macri, quem mais criticou e faturou politicamente com tal critica.
As medidas tomadas por decreto de necessidade e urgência, num domingo, são o fim do relato macrista, e a realidade econômica que se impõe. É o reconhecimento explícito que erraram em todas as medidas econômicas que adotaram.

E não é o efeito das eleições primárias PASO, como pretendem impor desde a Casa Rosada. Como disse James Carville: “[It’s] the economy, stupid”.

martes, 25 de junio de 2019

Atividades do segundo semestre de 2019 na UNICAMP

Atividades do segundo semestre de 2019 na UNICAMP
HF955 - Seminário de Orientação em Filosofia da Psicologia e da Psicanálise I
segunda-feira 14 horas
Professor: Daniel Omar Perez
A disciplina será ministrada no IFCH (algumas das aulas serão realizadas dentro da biblioteca em função do uso do material bibliográfico)
Programa: O seminário visa abordar os conceitos de Identidade e Identificação em Freud e Lacan em relação com a noção de Fantasia e Fantasma. Abordaremos os textos de Freud Psicologia das massas e análise do eu, Uma criança é espancada e Moises e a religião monoteísta, os textos de Lacan O seminário 9 e O seminário 14. Buscaremos reconstruir a teoria de Freud e de Lacan de uma constituição do sujeito a partir dos processos de identificação que se articulam em relação com a Fantasia no primeiro autor e com o Fantasma no segundo. Os estudantes apresentarão os resultados das suas pesquisas.
HF944 - Seminário de Orientação em História da Filosofia Moderna
segunda-feira 16 horas
Professor: Daniel Omar Perez
A disciplina será ministrada no IFCH (algumas das aulas serão realizadas dentro da biblioteca em função do uso do material bibliográfico)
Programa: O seminário visa trabalhar as noções de identidade, Eu e Sujeito na crítica da razão pura de I. Kant. Abordaremos diferentes interpretações, a saber, Martin Heidegger, Wolfram Horgrebe, Slavoj Zizek, Patricia Kitcher, Robert Hanna e Zeljko Loparic.
Disciplina de graduação
Terça-feira 19.00 horas FUNDAMENTOS DA pisicanálise
Título: Moises e seu povo, o egípcio e o judeu: entre o estranho e o familiar, o diverso e o incomum.
Resumo: O Moises de Freud é um estudo psicanalítico de uma história bíblica que busca refletir sobre a origem do monoteísmo, da unidade de um povo e da emergência de um líder. A história de Moises em geral e a leitura freudiana em particular têm sido objeto de desdobramentos e críticas em vários aspectos. A disciplina visa apresentar uma análise do texto que coloque de manifesto dois aspectos: um metodológico e outro categorial. Pretendemos abordar o procedimento metodológico da psicanálise com relação a eventos históricos, políticos e culturais, isto é, problematizar a possibilidade de usar a psicanálise para pensar não só um caso clínico, senão também o próprio dispositivo conceitual que nos possibilita acolher um fenômeno como é o caso da unidade de um povo, de uma coletividade, de uma comunidade. Assim sendo, buscaremos mostrar que, para dar conta da unidade do povo judeu, Freud deve exibir duas operações: 1. A unidade como uma produção feita a partir da diversidade; 2. O estranho como condição do familiar e do comum. Finalmente, com esse dispositivo conceitual, abordaremos apenas como exemplos as problematizações sobre a comunidade realizadas por Kant, Blanchot, Barthes, Agamben, Nancy e Espósito.
Programa:
Introdução: questões epistemológicas e metodológicas.
1. Conhecimento e etnia: a psicanálise é uma ciência judia?
2. Conhecimento e demarcação epistemológica: a psicanálise é uma ciência?
3. Conhecimento e prática clínica: a psicanálise é uma?
4. Conhecimento e metapsicologia: a psicanálise
Primeira parte: Moises
1. Os textos socioculturais de Freud: Totem, Mal-estar, O futuro, As massas, Moises.
2. A estrutura e os elementos de Moises de Freud e da leitura da Bíblia.
3. O que os pesquisadores afirmam do Moises de Freud?
4. Exame da questão do líder em Freud
5. Exame da questão do Deus em Freud
6. Exame da questão do Povo em Freud
Segunda parte: A comunidade
1. Pensar a vida em comum antes de Freud: Kant (A religião nos limites da simples razão) entre o dogmatismo estatutário e a fé racional.
2. Pensar a vida em comum depois de Freud: Blanchot (La comunidad inconfesable), Barthes (Como vivir juntos), Nancy (A comunidade inoperada), Agamben (A comunidade que vem) e Espósito (Comunitas. Origen y destino de la comunidade ) a partir do incomum.
Metodologia: aulas expositivas.
Forma de avaliação: trabalho final sobre um ponto específico do programa.
Horário da disciplina: terça-feira de 19 a 23
Horário de atendimento: terça-feira de 9 a 12 na sala B45 com horário marcado.
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Calendário:
Agosto
6 Apresentação do programa e introdução
13 Vladimir Pinheiro Safatle e Érico Andrade (visitantes) apresentação dos seus livros "Dar corpo ao impossível" e "Sobre Losers" .
20 Edmilson Paschoal (visitante) sobre Nietzsche, o niilismo, a sociedade gregária e o Über-Mensch
27 Alessandra Martins Parente (visitante) sobre Moises de Freud
Setembro
3 Conhecimento e etnia: a psicanálise é uma ciência judia? Conhecimento e demarcação epistemológica: a psicanálise é uma ciência?
10 Conhecimento e prática clínica: a psicanálise é uma? Conhecimento e metapsicologia: a psicanálise.
17 Os textos socioculturais de Freud: Totem, Mal-estar, O futuro, As massas, Moises.
24 A estrutura e os elementos de Moises de Freud e da leitura da Bíblia. O que os pesquisadores afirmam do Moises de Freud?
Outubro
1 Exame da questão do líder em Freud
8 Atividades na Europa (não haverá aulas)
15 Atividades na Europa (não haverá aulas)
22 Exame da questão do Deus em Freud
29 Exame da questão do povo em Freud
Novembro
5 Pensar a vida em comum antes de Freud: Kant (A religião nos limites da simples razão) entre o dogmatismo estatutário e a fé racional.
12 Pensar a vida em comum depois de Freud: Blanchot (La comunidad inconfesable), Barthes (Como vivir juntos), Nancy (A comunidade inoperada), Agamben (A comunidade que vem) e Espósito (Comunitas. Origen y destino de la comunidade ) a partir do incomum. Parte I
19 Pensar a vida em comum depois de Freud: Blanchot (La comunidad inconfesable), Barthes (Como vivir juntos), Nancy (A comunidade inoperada), Agamben (A comunidade que vem) e Espósito (Comunitas. Origen y destino de la comunidade ) a partir do incomum. Parte II
26 Entrega de trabalhos
Atividades de extensão:
1. Filosofia com diagnóstico de autismo com Rodrigo Castilho
2. Corujão. Filosofia com a comunidade com Lola Sayuri
3. Psicanálise e espaço público com Lauro Baldini
Orientações de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado
Atividades do CEMODECOM (CENTRO FAUSTO CASTILHO DE ESTUDOS DE FILOSOFIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA)
Atividades da Revista de Estudos Kantianos Kant e-prints

domingo, 23 de junio de 2019

O senhor instruiu SIM, Dr. Moro


O ex juiz Sérgio Moro afirmou que não via problemas nas falas que foram publicadas pelo The Intercept porque, segundo ele “Ali basta ler o que se tem lá” para perceber que não havia dado instruções aos promotores. Mas não é bem assim, vejamos.
Quando pensamos em fala, temos que nos ater não só as palavras pronunciadas –“o que se tem lá”-, como também as intenções com as quais foram proferidas e, principalmente, aos efeitos que produziram nos destinatários, efeitos quase sempre procurados pelo falante. (Austin, Teoria dos Atos de Fala).

Assim, quando o ex juiz Moro, desde seu lugar hierárquico preponderante na operação Lava Jato, pergunta aos promotores, “subalternos de fato” na mecânica própria da operação, se “não tem muito tempo sem operação?” – está dizendo, na verdade, “ponha a operação para funcionar, porque não pode deixar passar tanto tempo”. É o que se chama pedido indireto, por exemplo quando como você diz  numa loja “gostaria de ver uma aquela camisa branca” e a atendente interpreta “me mostra a camisa branca”. Foi o que aconteceu com o promotor Dallagnol que interpretou as palavras de Moro como um pedido prontamente cumprido, como aponta o site BuzzFeed (https://www.buzzfeed.com/br/gracilianorocha/moro-deltan-telegram).
Moro não precisa saber linguística para entender os mecanismos da fala e da sua interpretação, o direito já lhe fornece ferramentas para tal. De fato, quando se interpretam as leis também se atende a critérios semelhantes aos da teoria dos atos de fala. Primeiramente, interpretando literalmente o texto legal, palavra por palavra; depois tem que se interpretar “o espírito da lei”, o que ela de fato quer dizer. Assim, a placa da praça que proíbe a entrada de cachorros, não significa que alguém possa entrar com um urso, por exemplo. Esse exemplo clássico do direito derruba a desculpa do ex juiz de que ele não deu as instruções. Deu sim, porque de suas palavras foram inferidas e cumpridas as ordens pelos promotores.
Em outro trecho, indicou dar “instruções” a uma promotora que não ia muito bem nas audiências e que os promotores dessem alguns conselhos ou até treinamento. Tal indicação foi INTERPRETADA e CUMPRIDA como um pedido de substituição, como de fato aconteceu.

Mais uma vez, vemos que o ato de fala se realizou pelo que foi dito pelo juiz, pelo que foi interpretado pelos promotores e pelos efeitos produzidos. Não adianta, Dr. Moro, insistir só na literalidade das palavras.
                                                                                                          Yedda e Ramiro Blanco