Na quarta-feira 6 de julho, um jornalista do Diário Catarinense, de Florianópolis,
entrou em contato comigo para me perguntar pela minha disponibilidade para
responder algumas questões sobre essa nova manifestação da barbárie que é a soi-disant
‘Lei Escola sem Partido’; que está sendo impulsionada pela mesma direita
envolvida no golpe: sobretudo pelos grupos religiosos. Eu estava muito ocupado,
e empolgado, escrevendo um artigo sobre o posicionamento de Ameghino frente a
Haeckel, e não estava com vontade de me ocupar com este presente ridículo, rico
em burradas e superstições; mas achei que manifestar minha opinião sobre esse triste
assunto formava parte de minhas obrigações como professor universitário. Por
isso, diligentemente, escrevi minha respostas. A matéria tinha que sair, como aconteceu
de fato, no suplemento NÓS que este desluzido jornal de província publica na
sua edição do final de semana. E foi isso que aconteceu.
Porem, nessa matéria, que era claramente a favor da
lei reacionária, as opiniões dos que estávamos em contra de ela, foram praticamente
desconsideradas. Elas citaram dois o três líneas daquilo que eu, e um par mais
de pessoas contrarias a lei tinham dito; e o fizeram de um a forma totalmente
descontextualizada, alheia ao contexto argumentativo no qual tínhamos dito o pouco
que eles acharam oportuno citar. Na realidade, eles só fizeram citas que até
podiam retificar os pseudo-argumentos daqueles que estavam a favor da lei. Foi,
em resumo, uma experiência lamentável e uma perda de tempo, da qual só pode
tirar-se esta moral: nunca mais coopere com a impressa reacionária, nem mesmo acreditando
que, assim, eles vão a dar algum lugar a ideias contrárias às que eles
propalam; porque de fato nunca farão isso. Você só estará cooperando com um
simulacro de imparcialidade, tão hipócrita quanto, por exemplo, as críticas à
corrupção que abundam em esse tipo de imprensa.
Vão ai, as respostas às perguntas que me
foram formuladas:
- POR QUE A LEI
ESCOLA SEM PARTIDO REPRESENTARIA UM RETROCESSO NA EDUCAÇÃO?
Porque na prática instauraria um sistema de
controle ideológico sobre a atividade dos docentes. A partir dessa lei, será
mais fácil perseguir a um docente por motivos políticos. Assim, para não ter
problemas, a maior parte dos docentes vai deixar de falar sobre qualquer
assunto polêmico. Ninguém vai querer discutir temas como a legalização da
maconha no Uruguai; ou a legalização do aborto no Chile. A escola não vai poder
promover os debates que a sociedade precisa enfrentar; e isso é uma renuncia a
uma das suas funções mais importantes: formar cidadãos; e não só mão de obra um
pouco mais qualificada. Uma sociedade não só precisa pessoas que possam ler o
manual de uso de uma maquina nova: ela também precisa de pessoas que possam ler
crítica e reflexivamente um jornal. E o pensamento crítico só se forma participando
de discussões, devidamente colocadas e encaminhadas, sobre assuntos que
realmente mereçam essas discussões; que são justamente os assuntos polêmicos
que o pensamento conservador quer fora da sala de aula.
É claro por outra parte, e é bom não se fazer
distraído com isso, que o projeto almeja punir certo tipo de ideias. Não todas
elas. O projeto fala em nome de uma neutralidade ideológica da escola; mas não
é nada disso. É só escutar o que falam
aqueles que o promovem. Ideias que possam ser consideradas ‘de esquerda’, que
promovam a respeito às escolhas sexuais, que questionem as formas tradicionais
das relações entre gêneros, e outras coisas assim: essas são as tomas de
partido que a lei quer evitar que apareçam em sala de aula. O que acontece é
que a ideologia dominante sempre se vende a si própria como senso comum, como hipótese nula ou grau zero
da ideologia; e, assim, tudo aquilo que se afaste dela, e questione esse
conservadorismo, aparece como propaganda ideológica.
- Como o senhor
imagina que esse projeto seria posto em prática nas escolas? É possível um
professor ministrar o seu conteúdo livremente tendo que se preocupar em não
ferir as convicções políticas, ideológicas, morais religiosas etc de
alunos com valores, vivências e backgrounds familiares diferentes entre si?
A lei não propõe uma forma de trabalho. Ela só
estabelece uma ameaça virtual para quem possa vir a incomodar. Ela instaura a
censura e vai redundar na autocensura.
Os docentes perderiam totalmente sua liberdade. E
não só os docentes: a escola perderia a autonomia que ela precisa para realizar
sua tarefa. Com essa lei, os membros de qualquer comunidade religiosa vão a
poder impedir que a teoria da evolução seja ensinada em sala de aula; porque
ela, segundo muitos grupos religiosos falam, ofende a suas convicções. Mas, se
isso é possível, qualquer coisa é possível: outro grupo mais radical poderá
querer impedir que as noções do tempo geológico sejam tratadas em aula; porque
isso contraria a temporalidade bíblica: aquela dos sete dias. E assim por
diante: a capacidade crer não tem limite, e por isso tudo a pode ofender.
Mas há muito mais: o questionamento das relações
entre gêneros, a ideia de que deve existir simetria de poder nessas relações,
pode contrariar a forma em que muitas pessoas organizam e pensam sua vida
familiar. A lei também pode impedir que esses assuntos sejam, então, tratados
em sala de aula. Depois, é claro, vem a hora de escandalizar-se vendo ao Datena
falar sobre um energúmeno que matou a mulher por ciúmes.
Há muitos temas que a sociedade precisa discutir, e
cuja discussão a escola deve propiciar, e a lei da escola sem partido, quer
evitar que isso aconteça. A lei da escola sem partido é a lei desse grande
partido conservador que está articulando-se no Brasil.
Mais um: um grande instrumento para lutar em contra
do abuso sexual contra crianças (que geralmente acontece dentro da proteção do
lar), é uma educação sexual precoce e sincera. E VC já sabe que isso pode
ofender a alguém, é claro.
Todavia, quando alguém fica ofendido também há que
perguntar por que foi que se ofendeu. Se um docente promove um trabalho sobre
as violações dos direitos humanos na época da ditadura; e alguém não gosta
disso por achar que é propaganda comunista, então voltemos a de 1788! Claro,
não é de espantar-se que, entre os que promovem esta lei, haja deputado que
homenageiam a torturadores. Ou legitimem o estupro.
- Caso o
projeto seja aprovado, como os professores contrários à sua implantação podem
reagir?
Eu apelaria para a corte interamericana de direitos
humanos; e faria uma campanha internacional, usando as redes sociais. No mundo
há uma sensibilidade crescente sobre as coisas que acontecem no Brasil
ultimamente.
- Como está a
receptividade às ideias do Liberdade para Educar? Quantas pessoas estão
envolvidas?
Não sei. Não um ativista. Sou um professor de Filosofia, que gostaria de
poder exercer a liberdade de cátedra.
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