domingo, 26 de noviembre de 2017

Do cinismo, do capital e do gozo ao ato

O cinismo pode ser a estrategia ética do excluído do sistema (do morador de rua, que já cortou os laços da consistência discursiva educadamente aceitáveis) porque sabe que com ele ninguém quer dialogar nem acordar, mas seu sometimento ou desaparição (porque a sociedade não reconhece nem o evento da sua morte enquanto sujeito de um acontecimento singular), porém, o cinismo também é uma das formas do poder, mas do poder real (daquele que joga golfe e decide uma situação cuja consequência é uma catástrofe humana), aquele que sabe que não há diálogo nem consenso senão o poder nu e cru.
A linguagem e o laço a partir da fala encontra seu limite no exercício do poder que se impõe Real diante do sujeito onde não é reconhecido como tal. Diante do capital não há sujeito, diante da grande maquinaria de guerra não há sujeito. A linguagem é usada instrumentalmente pelo poder efetivo para provocar estados afetivos e sentimentais como efeitos de massas que sejam funcionais ao seu mecanismo de produção e gasto (repetição de mecanismo de gozo).
Nessa posição meramente imaginária da linguagem a verdade (aquilo que nos expõe diante da própria falta, verdade como compromisso com uma realidade que nos mostra a própria limitação, a finitude, o equívoco, o mal-entendido) é substituída pela adesão a um enunciado ou discurso que não precisa ser razoável nem verosímil mas que permite almejar imaginariamente um gozo perverso (em relação com um outro tomado como objeto a ser descartado) e ou uma promessa de gozo, um usufruto privilegiado porque como individuo meritocrático, competitivo, empreendedor esforçado, inteligente e astuto numa sociedade onde cada um busca a sobrevivência e o sucesso pessoal, já cortou laços com a comunidade, apenas resta a realização individual ou no máximo em relação com os próprios sócios.
Para não sermos engolidos como sujeitos de desejo (numa relação com o desejo do outro) pelo discurso da individualização de cidadãos competitivos e de mérito próprio em função da própria reprodução mecânica do capital pelo capital é preciso provocar efeitos de sujeito. Os enunciados e discursos do capital promovem a individualização como (1) competidor em relação com os outros indivíduos numa sociedade competitiva e de poucas oportunidades de sucesso, (2) vitima do roubo do Estado por meio dos impostos, (3) alheia à politica que se apresenta como sinônimo de corrupção.
Isso se logra com efeitos de massa provocados por falas que mobilizam determinados afetos e sentimentos buscando a adesão hipnótica das maiorias. Uma das operações é usar valores morais e oferecer determinadas figuras como imorais e corruptas em quem descarregar todos os sentimentos de culpa provocados nele pela própria falta.Com a figura do corrupto o sistema oferece em quem descarregar o sentimento de culpa como sentimento de indignação dessa forma o sujeito não precisa lidar com aquilo que perturba a idealização de seu lugar privilegiado: tem outro pior que eu. Outra das operações de individualização é favorecer a vitimização (pessoal ou de grupo identitário). A vitimização corta os laços sociais, não reconhece a falta no outro nem no grande Outro. O outro semelhante não é reconhecido como sujeito de uma fala porque não "sofreu" aquilo que o individuo ou o grupo sofreu o sofre. Como se o sofrimento fosse em si um valor moral ou um a priori de posição política ou o princípio de uma autoridade moral. Não reconhece a castração no grande Outro porque coloca O Estado, A Sociedade etc como o culpado da castração e da insatisfação do sujeito. Assim, o Outro não castrado, é idealizado como O Poder sem falha, sem fenda, sem fissura que oprime sem condição nem limite. Assim, o Outro não castrado ou deveria ser eliminado idealmente ou nada poderia ser feito a não ser continuar sendo vitima e enunciando um discurso de denuncia e queixa setorial e limitada pelos elementos identitários.
A resistência à reprodução do capital pelo capital na época do discurso capitalista (lacaniano, como posição do sujeito como indivíduo tomado pelos objetos de consumo entre uma promessa de um gozo impossível que nunca chega e a realização de gozos perversos) está em fazer efeitos de sujeito, reconhecimentos identitários na diversidade e na contingência e desidentificações individuais e coletivas e promover a diversidade de satisfações parciais num horizonte de laços entre desejos, de desapegos a objetos e de vínculos sustentados simbolicamente diante do aparecimento do Real como algo a ser suportado mesmo na sua insuportabilidade e estranhamento.
O capital se apresenta ao sujeito (individual ou diante das identificações coletivas) como o Real que se impõe e rompe a articulação simbólica e imaginária (coloca em crise o que reconhecemos como realidade -nos referimos áquilo que Lacan chama de Fantasma- e demanda -como grande Outro- sua rearticulação aos sujeitos da falta), como grande Outro simbólico que ordena, que demanda, que goza sem castração, como imaginário onde se encontra a ilusão de uma promessa de gozo. O capital e a moeda não são meramente imaginários e nem se sustentam apenas numa crença, num ato de fé dos indivíduos. Podemos dizer que a moeda se sustenta na aceitação imaginária do seu poder por parte dos indivíduos reunidos numa sociedade. Mas a posição do sujeito nessa aceitação (expressa pelo indivíduo na sociedade) não é meramente imaginaria. É um lugar cristalizado desde onde o sujeito responde ao gozo. Há estrutura e não apenas indivíduos mais ou menos livres e autônomos ou mais ou menos ingênuos e incrédulos.
As pessoas não escolhem a "servidão voluntária" por estupidez ou covardia consciente apenas senão pelo modo em que se reconhecem como sujeitos identitários. O reconhecimento de si numa identidade evita ao Ego ter que lidar com a incerteza, o desamparo, o imponderável, a ausência de garantias, a singularidade e outorga um lugar que lhe permite dar sentido ao seu sofrimento. Se reconhecer no lugar do sometido mesmo no sofrimento pode ser mais "razoável" que dar o passo adiante sendo consequente com o próprio desejo que conduz ao real que se apresenta como sendo um evento fora de controle. O Ato que estabelece uma nova relação simbólica desde onde se responde ao real do gozo é o único ato transformador não só da realidade senão do sujeito da ação política que morre no ato deixando aparecer outro efeito de sujeito.
Isto me faz duvidar de seguir utilizando a noção de desejo de fascismo. Hoje sou inclinado a pensar que se desejo é falta e excesso e o reconhecimento disso desde uma posição de sujeito como sujeito da falta o fascismo obtura a falta e a nega. Porém sem com Lacan admitimos um desejo perverso então poderia haver um desejo de fascismo onde o sujeito corre atrás de uma promessa de completude, totalização e satisfação absoluta. Por cautela aqui sempre falaremos de desejo como sujeito da falta e reconhecimento da mesma desde uma posição de sujeito. Em vez de continuar falando de desejo de fascismo entenderemos o evento do fascismo como um modo do sujeito não lidar com a falta e se sustentar como sujeito numa promessa de gozo privilegiado que lhe é devido de direito.
Quando se problematiza o capital temos que declarar não só uma definição em termos de economia senão qual é o lugar que lhe estamos dando, em que posição reconhecemos sua relação com o sujeito castrado e o gozo. Quando falamos de capital em economia devemos levar em consideração os corpos reais que gozam na execução real das estruturas de funcionamento de reprodução e incluir estes elementos nas fórmulas de cálculo e nos esquemas explicativos. Sem a inclusão do gozo e do desejo que se articula conflitivamente com a necessidade e o interesse a fórmula do cálculo ou o esquema de explicação econômica fica numa formalização vazia e ingenua por desconhecer o real dos corpos em jogo ou se trata de um discurso cínico do poder real que intencionalmente nega os corpos. Uma teoria econômica que ignora os corpos e os gozos serve para dar aspecto "científico" ao discurso do capital, funciona imaginariamente na produção da individualização e na enunciação de promessas ideias de gozo.
A resistência ao imperativo do Capital, (que se reproduz automaticamente e interpela ao sujeito enquanto individuo e exige uma resposta desde esse lugar, por isso, nunca é sem corpos reais que ocupam os lugares de execução do mecanismo de reprodução e motivam sem causa os desvios), se realiza desde a posição de sujeitos de desejo propiciando laços de amor e encontros de desejos em histórias de amor e de amizade, em projetos de construção coletiva em experiências de comum união onde o desejo se sustenta nos encontros e desencontros com relação ao desejo do outro, na experiencia do imponderável, do inútil, daquilo que não entra nas relações de troca e mercantilização, da doação, do dom, do gratuito, da demora trivial e sem pré-ocupação (no sentido de estar ansioso pela antecipação do evento e permanecer passivo), por isso no caso do desencontro é importante o desapego o que exige fazer "o luto da demanda histérica).
Como seria um contrassenso neste dispositivo conceitual propor o anterior como uma regra normativa para sujeitos da vontade que agora sim esclarecidos se propõem conscientemente a executar a regra ética e moral precisamos pensar o que isto significa num horizonte de ação política concreta.
Capital ----> Sujeito barrado (nessa relação pode acontecer: imposição, interpelação, promessa ilusória de satisfação privilegiada)
Capital------> sujeito barrado (o capital se apresenta fora do cálculo como imposição absoluta como Real incalculável)
Sujeito barrado <---- Capital como (A) grande Outro não castrado ordena, exige, demanda, justifica o lugar de reconhecimento de si do sujeito e dá sentido ao seu sofrimento
Capital (imaginário) dá lugar às narrativas de promessa de felicidade que articuladas com o ordenamento simbólico conformam a realidade

Romper a realidade é um verdadeiro ato, aquilo que não é a repetição, aquilo que não tem predicado.
Numa sociedade estabelecida imaginária e simbolicamente romper a realidade que institui o reconhecimento de si dos sujeitos e das identidades coletivas e da consistência das suas instituições ordenadoras exige posições de sujeitos que se desconhecem de si, que se reconhecem como sujeitos do fenômeno que repetem e ao mesmo tempo se estranham nessa posição. Esses sujeitos devem poder estar em situação de poder se desapegar dos objetos de satisfação mínima e também do si mesmo que oferece a ilusão de garantia de continuidade do mesmo. Quando se afirmava no século xix que o proletariado não tinha nada a perder poderia talvez significar que estava disposto a perder tudo e se perder na revolução.

Tudo o que é sólido se desfaz no ar. O ato que provoca desidentificações e propicia novas relações identitárias tem o problema de lidar com o excluído. O outro excluído da relação identitária é um elemento constitutivo dessa relação. Não há identidade sem exclusão, sem aquilo que não é isto, isto é isto porque não é aquilo no ato de nomeação. Assim, o problema não é excluir ou expulsar o que não cabe na imaginarização e simbolização da relação identitária. O problema está no modo em que lido com o excluído, com o expulsado, com o resto da identificação. Daqui é que proponho três modos de relação (1) como alteridade (2) como adversidade (3) como resíduo. Esses modos de lidar com o excluído determina as ações políticas de um poder político estabelecido.


Continuará....



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