Dia 18 de setembro, a Câmara de Senadores aprovou por unanimidade a lei de Emergência alimentar após uma breve sessão sem debate e com poucos oradores. A lei aprovada pelos Senadores pode ser entendida desde vários ângulos.
O primeiro que devemos apontar é que o neoliberalismo produz fome, que a meritocracia é uma ilusão para poucos e deixa a mercê da sua sorte, indefectivelmente ruim, aos mais desfavorecidos. Isso é uma recorrência na Argentina nos últimos 50 anos: foi assim depois da ditadura de 1968-1973, com o plano neoliberal do ministro Adalbert Krieger Vasena, que “conseguiu” abaixar os índices sociais e deteriorar a produção industrial; também foi assim com a ditadura cívico-militar de 1976-1983 que implementou o plano econômico liberalizante de José Alfredo Martínes de Hoz; o mesmo aconteceu nos governos privatizadores de Carlos Menem nos ’90, que implementou o plano de Domingo Cavallo (paridade cambial “um peso = 1 dólar”); e voltou a ser assim em 2001, com o ex presidente Fernando de la Rua e novamente Cavallo e sua retórica neoliberal. A dupla de la Rua-Cavallo deixaram o país numa crise de tal magnitude que muitos pensaram que seria o fim dos ciclos de políticas neoliberais na Argentina.
Contudo, com promessas que sabiam que não cumpririam, Mauricio Macri e os diferentes partidos que compõem a aliança “Cambiemos” chegaram ao poder em dezembro de 2015 e, contrariamente ao que prometeram na campanha eleitoral - Pobreza Zero”-, aplicaram novamente um plano econômico neoliberal, utilizando como cortina de fumaça a acusação de corrupção do governo anterior, amplamente difundida pelos meios hegemônicos porém nunca provada.
É importante fazer um aparte para destacar que os três governos democráticos que aplicaram políticas econômicas liberais –Menem, de la Rua e Macri- chegaram ao poder mediante mentiras já que em campanha prometeram exatamente o contrário. De fato, Macri confessou, tempo depois, que se tivesse dito o que realmente faria no governo nunca teriam conseguido os votos necessários para ser eleito.
"Si yo les decía a ustedes hace un año lo que iba a hacer y todo esto que está sucediendo, seguramente iban a votar mayoritariamente por encerrarme en el manicomio" (Mauricio Macri, 29/08/2016)
Uma vez na Casa Rosada, Mauricio Macri e a equipe de governo, como prestidigitadores discursivos, retiraram do relato a crise de 2001, cujas consequências ainda eram presentes em 2015 na sociedade argentina, apesar dos avanços em matéria social dos governos kirchneristas (2003-2015).
Ao mesmo tempo, fizeram um ajuste econômico que empobreceu a população, aumentando de forma desproporcional os preços dos serviços públicos, (energia elétrica, gás, água, combustíveis, pedágios, etc.), desvalorizaram a moeda argentina e congelaram de fato os salários. Também, sob pretexto de que o INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos) fazia medições tendenciosas –da inflação, da pobreza, etc.-, deixaram de publicar o índice por seis meses e mudaram a metodologia para “elevar artificialmente” a pobreza deixada por Cristina Kirchner a quase 30% (segundo medições anteriores realizadas pelo Centro CIFRA da Central dos Trabalhadores de la Argentina era de 19,4%).
Como fizeram isso: 1) culparam o governo anterior pelo feroz ajuste desses 6 primeiros meses que o próprio governo macrista realizara; 2) aumentaram as quantidades necessárias de alimento que compõem a CBA (cesta básica alimentar) necessários para compor o índice da pobreza; e 3) abandonaram o índice feito pelo Observatório da Dívida Social realizado pela UCA (Universidade Católica Argentina), que sempre foram superiores aos oficiais.
Desse modo, comparar a pobreza segundo os novos índices seria como comparar limões com tangerinas com o critério de ambos serem cítricos.
A parir desse novo patamar elevado, Macri pensava que seria mais fácil cumprir sua promessa de campanha: “Se quando minha gestão acabar a pobreza não tiver diminuído, então terei fracassado”. E fracassou! Quaisquer que sejam os índices adotados, a pobreza disparou e o governo teve que fazer acordo com a oposição, muito a contragosto, e aprovar por unanimidade a Emergência Alimentar para tirar o tema da agenda política e sonhar com uma virada eleitoral, cada vez mais irreal. Esse foi o motivo pelo qual não houve debates e se limitou a quantidade de oradores muna brevíssima sessão, cumprindo uma condição imposta pelo governo que não compactuava com as medidas contidas na lei.
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