“En gran parte, ganaron la
elección porque no supimos definir bien quiénes eran”
Horacio González, Programa 678, 17/12/15
O papel da mídia
foi decisivo para a vitória do Maurício Macri na Argentina, tanto escondendo a
real natureza do candidato, do verdadeiro impacto socioeconômico das medidas
que anunciava e dos interesses que defende, como atacando sem trégua e com elaboradas
operações políticas os candidatos do FpV. O mesmo podemos dizer sobre o papel
da mídia concentrada nas campanhas desestabilizadoras contra o governo
democrático do Presidente Nicolás Maduro na Venezuela, ou na tentativa golpista
disfarçada de impeachment contra o governo da Presidenta Dilma Rousseff no
Brasil. É sabido que aquilo que com não muita certeza poderíamos denominar
“debate público” está pautado hoje pelas grandes empresas de comunicação que
definem a agenda e formatam a consciência coletiva. A crítica das estratégias
do poder hoje significa travar uma batalha cultural que nos coloca a questão de
como se enfrenta este formidável poder comunicacional concentrado.
O primeiro ponto
diz respeito à natureza do próprio debate público: Milton Santos, entrevistado
no programa Roda Viva da TV Cultura em 1997, destacou que nos anos 50 e 60, os
intelectuais apresentavam e discutiam projetos nacionais explícitos, enquanto
que hoje vemos que os intelectuais que gravitam em torno do poder não
apresentam um projeto explícito de governo, e por isso não há discussão
possível. (Um profissional da mentira como o “consultor de imagem e assessor de
campanhas políticas” de Macri, Jaime Durán Barba, recomendando aos candidatos
da Aliança Cambiemos não responder nunca questionamentos diretos em um debate e
responder falando da família e outras generalidades, é o último degrau na
degradação da figura do candidato político, --que nos cria o desafio de
explicar o triunfo eleitoral desta figura degradada). Para Milton Santos,
naquela época havia a busca de um projeto nacional mas não era uma busca
unívoca; havia diferenças, divergências, e precisamente os avanços se davam a
partir destas discussões, conflitos e acordos, e também havia partidos
políticos, que também ostentavam projetos nacionais confrontando diferentes estratégias.
Hoje, porém, não há
verdadeira discussão pública se o projeto vitorioso de Macri (e da direita em
todos os países da região) não só não se apresenta como projeto, mas é
invisibilizado midiaticamente. Assim, toda disputa comunicacional contra as
grandes empresas de mídia pela hegemonia política e cultural exige explicitar
as medidas do governo de Macri como projeto político acabado.
A invisibilização
do projeto macrista se opera por meio de duas vias ideológicas principais: a
volta ao equilíbrio natural da economia e o recurso ao saber tecnocrático. O
primeiro se expressa retoricamente com a expressão “sinceramiento de variables”,
que procura moralizar o desmonte de regulações econômicas do governo anterior
como um regresso ao verdadeiro estado natural da economia livre, volta a um funcionamento
sadio que a corrupção kirchnerista teria provocado com seu intervencionismo
doentio (e neste sentido o liberalismo não consegue abandonar o século XVIII);
o segundo recurso, ressuscita a figura do economista como dono de um saber hermético
portanto inacessível às maiorias, que se encarregará de decidir e implementar
as medidas certas para o reordenamento necessário da economia nacional,
enquanto todos nós assistimos obedientes.
Estes dois recursos
são ideológicos porque, no primeiro caso, não há desmonte da regulação da
economia, mas uma mudança de regulações a favor do capital concentrado (não
existe a volta a uma economia naturalmente harmônica porque livre de
regulações) e no segundo caso, porque esse saber técnico privativo dos
economistas-sacerdotes se reduz a pó quando se rende ao veto ou aprovação dos
“mercados”, --que são os que de fato “sabem” e decidem as políticas.
Neste sentido, o
neoliberalismo combina estes dois recursos (o saber tecnocrático impoluto que
nos guia ao jardim da economia natural livre de pecado intervencionista) para
defender a todo momento a necessidade de reduzir o gasto público, de diminuir o
tamanho do Estado e consequentemente desafogar a iniciativa privada do custo de
sustentar um Estado sobre dimensionado. Na verdade, o Estado nunca é nem foi jamais
reduzido de tamanho em nenhum governo neoliberal do mundo, mas refuncionalizado, isto é, reformado para
atender de outro modo as exigências da acumulação de capital. Não se trata e
nunca se tratou de mais Estado ou menos Estado, mas de que tipo de estrutura e
funciones estatais (fortemente reguladoras e intervencionistas em todos os
casos) resulta mais funcional aos interesses do grande capital. O Estado não
pode deixar de intervir na economia não a causa do viés intervencionista de
dirigentes populistas, mas porque é uma exigência estrutural dos processos de
acumulação do capitalismo contemporâneo. Este seria assim o segundo passo em
toda disputa comunicacional contra a mídia hegemônica: a que interesses concretos
a nova regulação econômica macrista beneficia, tornando visível a
instrumentalização política do projeto governamental.
O segundo ponto se
refere ao tipo de intelectual que hoje opera desde as grandes empresas de
comunicação. Milton Santos definiu com clareza que “a mídia prefere aqueles
intelectuais que são especialistas do falar, do dizer, e não do pensar“. Assim,
esta associação entre os pseudo-intelectuais e as empresas de mídia implica a
corrupção do debate público na medida em que o interesse não é obviamente a
discussão de projetos de sociedade mas, como foi dito, a invisibilização dos
interesses dominantes e a perda das condições de possibilidade para a população
de poder refletir sobre as consequências sociais das promessas, medidas e
decretos que estão sendo tomadas pelo governo de Macri. O pensamento crítico
portanto não encontra, no campo comunicacional, um rival de direita armado de
argumentos, mas figuras menores, especialistas no esvaziamento das palavras,
destrutores de significados e inventores de injúrias que poluem o ágora até
ficar impossível o diálogo crítico. Estes especialistas do falar, multiplicados
por infinitos canais, revistas, rádios, programas de TV aberta, programas de
cabo, portais de notícias e redes sociais, solidificam um senso comum que leva
finalmente a população ao suicídio eleitoral.
Por fim, o terceiro
ponto se refere à natureza da informação. Longe da tolice da “sociedade da
informação” ou da pior “sociedade do conhecimento”, a informação, sequestrada
pelas poderosas agencias informativas que controlam o fluxo de notícias a nível
mundial, é atualmente uma das formas da violência. Milton Santos a considera
lado a lado com a outra forma da violência que é o dinheiro. A junção destas
duas formas de violência, sob as formas específicas com as quais se concretizam
hoje, talvez seja o primeiro desafio que todo sujeito tem pela frente no
caminho de sua emancipação intelectual. Mas impacta de forma diferenciada
segundo as classes sociais: para Milton Santos, é nas classes médias e altas
que há caos, onde triunfa a lógica do consumismo (que é um redutor da
capacidade de pensar), e onde impacta com força a manipulação da informação que
torna difícil para as pessoas entender o que acontece, “porque a informação
está centralizada, se valem de informações que lhes são dadas por grandes
agencias que também são grandes agencias dos grandes monstros que comandam este
mundo perverso; assim as classes medias estão intelectualmente desamparadas,
[...] daí sua dificuldade para pensar”. Diferente da experiência nas classes
populares, porque “Os pobres sempre sabem, porque eles convivem com a
experiência da escassez; a experiência da escassez é o caminho da descoberta do
que eu valho realmente”.
Mariano Sánchez
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