viernes, 18 de diciembre de 2015

Apontamentos sobre mídia e luta contra-hegemônica (1)


“En gran parte, ganaron la elección porque no supimos definir bien quiénes eran”
Horacio González, Programa 678, 17/12/15

O papel da mídia foi decisivo para a vitória do Maurício Macri na Argentina, tanto escondendo a real natureza do candidato, do verdadeiro impacto socioeconômico das medidas que anunciava e dos interesses que defende, como atacando sem trégua e com elaboradas operações políticas os candidatos do FpV. O mesmo podemos dizer sobre o papel da mídia concentrada nas campanhas desestabilizadoras contra o governo democrático do Presidente Nicolás Maduro na Venezuela, ou na tentativa golpista disfarçada de impeachment contra o governo da Presidenta Dilma Rousseff no Brasil. É sabido que aquilo que com não muita certeza poderíamos denominar “debate público” está pautado hoje pelas grandes empresas de comunicação que definem a agenda e formatam a consciência coletiva. A crítica das estratégias do poder hoje significa travar uma batalha cultural que nos coloca a questão de como se enfrenta este formidável poder comunicacional concentrado.
O primeiro ponto diz respeito à natureza do próprio debate público: Milton Santos, entrevistado no programa Roda Viva da TV Cultura em 1997, destacou que nos anos 50 e 60, os intelectuais apresentavam e discutiam projetos nacionais explícitos, enquanto que hoje vemos que os intelectuais que gravitam em torno do poder não apresentam um projeto explícito de governo, e por isso não há discussão possível. (Um profissional da mentira como o “consultor de imagem e assessor de campanhas políticas” de Macri, Jaime Durán Barba, recomendando aos candidatos da Aliança Cambiemos não responder nunca questionamentos diretos em um debate e responder falando da família e outras generalidades, é o último degrau na degradação da figura do candidato político, --que nos cria o desafio de explicar o triunfo eleitoral desta figura degradada). Para Milton Santos, naquela época havia a busca de um projeto nacional mas não era uma busca unívoca; havia diferenças, divergências, e precisamente os avanços se davam a partir destas discussões, conflitos e acordos, e também havia partidos políticos, que também ostentavam projetos nacionais confrontando diferentes estratégias.
Hoje, porém, não há verdadeira discussão pública se o projeto vitorioso de Macri (e da direita em todos os países da região) não só não se apresenta como projeto, mas é invisibilizado midiaticamente. Assim, toda disputa comunicacional contra as grandes empresas de mídia pela hegemonia política e cultural exige explicitar as medidas do governo de Macri como projeto político acabado.
A invisibilização do projeto macrista se opera por meio de duas vias ideológicas principais: a volta ao equilíbrio natural da economia e o recurso ao saber tecnocrático. O primeiro se expressa retoricamente com a expressão “sinceramiento de variables”, que procura moralizar o desmonte de regulações econômicas do governo anterior como um regresso ao verdadeiro estado natural da economia livre, volta a um funcionamento sadio que a corrupção kirchnerista teria provocado com seu intervencionismo doentio (e neste sentido o liberalismo não consegue abandonar o século XVIII); o segundo recurso, ressuscita a figura do economista como dono de um saber hermético portanto inacessível às maiorias, que se encarregará de decidir e implementar as medidas certas para o reordenamento necessário da economia nacional, enquanto todos nós assistimos obedientes.
Estes dois recursos são ideológicos porque, no primeiro caso, não há desmonte da regulação da economia, mas uma mudança de regulações a favor do capital concentrado (não existe a volta a uma economia naturalmente harmônica porque livre de regulações) e no segundo caso, porque esse saber técnico privativo dos economistas-sacerdotes se reduz a pó quando se rende ao veto ou aprovação dos “mercados”, --que são os que de fato “sabem” e decidem as políticas.
Neste sentido, o neoliberalismo combina estes dois recursos (o saber tecnocrático impoluto que nos guia ao jardim da economia natural livre de pecado intervencionista) para defender a todo momento a necessidade de reduzir o gasto público, de diminuir o tamanho do Estado e consequentemente desafogar a iniciativa privada do custo de sustentar um Estado sobre dimensionado. Na verdade, o Estado nunca é nem foi jamais reduzido de tamanho em nenhum governo neoliberal do mundo, mas refuncionalizado, isto é, reformado para atender de outro modo as exigências da acumulação de capital. Não se trata e nunca se tratou de mais Estado ou menos Estado, mas de que tipo de estrutura e funciones estatais (fortemente reguladoras e intervencionistas em todos os casos) resulta mais funcional aos interesses do grande capital. O Estado não pode deixar de intervir na economia não a causa do viés intervencionista de dirigentes populistas, mas porque é uma exigência estrutural dos processos de acumulação do capitalismo contemporâneo. Este seria assim o segundo passo em toda disputa comunicacional contra a mídia hegemônica: a que interesses concretos a nova regulação econômica macrista beneficia, tornando visível a instrumentalização política do projeto governamental.
O segundo ponto se refere ao tipo de intelectual que hoje opera desde as grandes empresas de comunicação. Milton Santos definiu com clareza que “a mídia prefere aqueles intelectuais que são especialistas do falar, do dizer, e não do pensar“. Assim, esta associação entre os pseudo-intelectuais e as empresas de mídia implica a corrupção do debate público na medida em que o interesse não é obviamente a discussão de projetos de sociedade mas, como foi dito, a invisibilização dos interesses dominantes e a perda das condições de possibilidade para a população de poder refletir sobre as consequências sociais das promessas, medidas e decretos que estão sendo tomadas pelo governo de Macri. O pensamento crítico portanto não encontra, no campo comunicacional, um rival de direita armado de argumentos, mas figuras menores, especialistas no esvaziamento das palavras, destrutores de significados e inventores de injúrias que poluem o ágora até ficar impossível o diálogo crítico. Estes especialistas do falar, multiplicados por infinitos canais, revistas, rádios, programas de TV aberta, programas de cabo, portais de notícias e redes sociais, solidificam um senso comum que leva finalmente a população ao suicídio eleitoral.
Por fim, o terceiro ponto se refere à natureza da informação. Longe da tolice da “sociedade da informação” ou da pior “sociedade do conhecimento”, a informação, sequestrada pelas poderosas agencias informativas que controlam o fluxo de notícias a nível mundial, é atualmente uma das formas da violência. Milton Santos a considera lado a lado com a outra forma da violência que é o dinheiro. A junção destas duas formas de violência, sob as formas específicas com as quais se concretizam hoje, talvez seja o primeiro desafio que todo sujeito tem pela frente no caminho de sua emancipação intelectual. Mas impacta de forma diferenciada segundo as classes sociais: para Milton Santos, é nas classes médias e altas que há caos, onde triunfa a lógica do consumismo (que é um redutor da capacidade de pensar), e onde impacta com força a manipulação da informação que torna difícil para as pessoas entender o que acontece, “porque a informação está centralizada, se valem de informações que lhes são dadas por grandes agencias que também são grandes agencias dos grandes monstros que comandam este mundo perverso; assim as classes medias estão intelectualmente desamparadas, [...] daí sua dificuldade para pensar”. Diferente da experiência nas classes populares, porque “Os pobres sempre sabem, porque eles convivem com a experiência da escassez; a experiência da escassez é o caminho da descoberta do que eu valho realmente”.

Mariano Sánchez

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